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terça-feira, 17 de maio de 2011

Poema do amor desconsertado

Não tenho poder político
Capaz de mudar o mundo,
Não tenho poder de guerra
Capaz de fazer converções,
Não tenho nehum poder, aliás,
Senão aquele de te amar.
Aquele de mostrar por A mais B mais C e o alfabeto todo
Que todo meu conhecimento,
Minha vivência,
Minha burrice, minha lerdeza,
É pra você.
E um pouco mais do meu perfume,
Do meu corpo,
Do meu costume insuportável de escrever.
O meu poder é esse que você não nota,
Não anota nada, nem datas
Nem recados na geladeira.
Você não percebe por ser cotidiano,
Aquele do amor na quarta-feira,
Do beijo de até logo,
A briga inexplicável do caminho,
Você guardando os óculos....
É esse poder que tenho e você tem,
Meu bem, não me esqueça,
Não me deixe, não me desmereça.
São os pedidos dos olhares
Os quais as palavras preferem calar,
E só mostra por meio de enigmas
O amor que não nos irrita,
Porque não é doce nem amargo nem azedo nem salgado,
É o equilíbrio dos poderes dos dois lados,
Você e eu na intolência e nos afagos
Do dia que vai,
Do dia que vem,
Dos anos que se contam
No nosso conto sem final feliz,
Porque amor assim, final não tem.

Jane Santos

Sentido pouco



Concordo que a poesia de hoje me arrepiou,
Concordo que andar na esteira da academia,
Olhando para sua ida e vinda
Não me apagou a lembrança,
Nem a música do Legião Urbana,
Nem a briga do cachorro com o gato,
Nem o noticiário,
Nem mesmo você,
Que me faz relembrar as palavras profundas,
As danças do amor que o poeta declarou,
Que desfilou para mim sua eternidade.
Concordo com minha pequenez
Enquanto essa embriaguez louca
De derivar do poeta.
Que loucura essa...
Quem pode entender.
Mas por não ter outro caminho,
Sigo este, sozinho,
Prestando homenagem às quedas,
Às flores e às pedras,
Prestigiando o que está,
O que morre, o que é infindo,
Morrendo de amor por dentro
Amor de textos que fazem pouco sentido.

Jane Santos

Os tolos das idéias divergentes




Todo tolo tem razão
Quando esta não é avaliada.
Todo tolo vai à morte
Se necessário for
Pra defender a tolice,
Que é seu amor.
Ele a declara pública,
Ele a declara correta,
Religião absurda,
Às vezes indiscreta,
Que desafia a história,
Que desafia poetas,
Que não sabe aonde vai,
Mas chega e se diz real.
Vejo tolos por toda parte,
Embutidos em corpos fortes,
Vejo tolos em qualquer parte,
Vejo tolos em mim mesma,
Que os carrejo feito imã,
E os revejo no espelho.
Não adianta discutir,
A razão desarrazoada é firme,
Não respeita limites,
É intolerante.
E eu fico na espreita,
Observando os levantes.
Vozes ecoam de lá,
Verdades e mentiras se delatam.
Todos tolos no mesmo palco,
Duelando quem mais argumenta,
Vence quem mais pensa,
Aquele que sabe e entende
Que brigar por idéias radicais é insuficiente
Para mudar a mentalidade.
Esta é do tempo, da educação paciente,
Esta é do tempo, da busca pertinente.

Jane Santos

Grandes pequenos fios



A cor que eu gosto
É o ocre que se expressa
Nas pinturas e nos liames
Da humanidade.
É aquela cor característica
De um filme de época,
Da pele de Eva,
Adão a pensar.
A cor que gosto é a cor de outrora
Nas páginas da história
Que eu gosto de contar.
O preto e branco das fotografias
Das pessoas antigas,
Encantadoras de um lugar.
É a ferrugem do trem
Seu poder que ainda tem,
Por entre as matas já cortadas
Mundo afora.
Vou contar uma canção
Que o tempo não ignora,
É o canto das línguas,
É o rugir das páginas,
Das músicas urbanas,
São as cores e o som da palavra,
Das sociedades humanas.
Quero dizer que amo,
Quero dizer que busco,
Num viver confuso,
Onde o passado vale pouco,
Compreender e guardar,
Guardar e repassar
Os sentidos dos esboços quase perfeitos,
Construídos por persas, romanos e gregos,
De diversas civilizações,
Que são as nossas razões
Daquilo que somos hoje.
Então recebo das mãos de Deus
A missão de levar aos seus
Um pouco dessa história
De letras, imagens e memórias,
De povos, lugares e enfins.
Porque a cor que eu gosto é do marfim,
Aquele dos pobres elefantes,
Que levaram economias avante,
Que fizeram o escambo e seus filhos,
Porque a cor que eu gosto é o marrom,
Aquele das pinturas rupestres,
O vermelho dos índios sem vestes,
O verde das matas dos bárbaros,
Dos caçadores medievais,
O verde morada dos pássaros.
A cor que eu gosto é o branco
Das roupas simples das criadas,
Dos vestidos asseados das escravas,
Das ricas roupagens das senhoras.
O branco da Boa Nova,
Anunciada por Jesus.
Porque a cor que eu gosto é o preto
Estampado nos rostos das viúvas,
Solitárias depois das guerras
Que deprimem o ser humano.
O preto do negro escravo ou liberto,
Nas favelas do Rio ou nos guetos,
O preto bem preto dos meus sapatos,
Que percorrem os caminhos dos carros,
Que passam e voltam
E esquecem que também são fatos
Pra eu contar.

Jane Santos