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terça-feira, 15 de junho de 2010

Quem sabe um dia...


Quem sabe um dia o anjo fino do meu sonho
pouse sobre o meu telhado.
Quem sabe um dia ele venha e me leve à Índia,
ver as pessoas coloridas,
ver os banhos no Ganges,
pra me jogar também.

Quero passear o mundo
e guardar as cores no olhar,
ou numa poesia incerta,
uma poesia que se iguale ao caminho de todos.

Quem sabe o anjo fino venha sem preconceitos,
e me dê passagem, e me dê margem, e me dê Rio.
Quem sabe ele puxe em minha mão e me leve voando
junto aos pássaros
aos aviões,
aos super-heróis,
E me leve à Roma,
E me dê carona para outros lugares.
Quem sabe Buenos Aires, quem sabe a China e o Japão.
Correndo com asas gigantes e anti-quedas
Olhando pro chão, pro mar,
pra Meca.

Quem sabe um dia esse anjo fino se canse de sua vigília,
e venha aventurar sua vida com a minha.

Jane Santos

terça-feira, 8 de junho de 2010

Poema de sexta-feira

Sinto o veludo desnudo
De tuas mãos
A apalpar objetos bruscos
De tua sala
Clara de verão.
Sinto o suspiro leve
De tua boca,
Sussurros leves das tuas roupas
Guardadas e cheirosas
De amor.
Sinto tua ânsia
Inquieta, remexendo
Pelas pernas.
Pra lá e pra cá
De você.
Solta, às vezes vulgar,
Sorriso de praça,
Brilho no olhar.

Sinto tudo isso
Como se fosse um feitiço
Que guardo no bolso vazio
Junto com papéis e bilhetes
Esquecidos
Durante toda uma vida
Enlouquecida
Por você,
Com cheiro de amor.
Amor quente
De noites quentes
De verão.
Amor calado
Na calada da madrugada,
Esquecida nas palmas
De tuas mãos.
Que têm veludo desnudo
A apalpar objetos bruscos
De teu quarto
Escuro de solidão.

Jane Santos

segunda-feira, 7 de junho de 2010

Código




Não darei meu código a você.
Que um dia tudo possa ser decifrado,
De formas diversas ou divergentes,
Mas que leiam de cima e de baixo
E vejam quão sem sal essa poetisa da madrugada.

Mas não darei meu código,
Que é coisa minha e de Carlos,
Que é dedicada sempre a sua luz,
sua palavra.

Jane Santos

domingo, 6 de junho de 2010

Movimento


Atento-me ao movimento,
Folha, sombra, vento.
Atento-me no vai, no vem, no pára.
Mas não pára, não descansa, não dorme.
A vida dança no calor das horas,
das vozes,
dos passos.
A vida convida mais um ao abraço,
E abre os braços e sorri,
e pula, e vibra,
e chora, e grita.
Numa eterna evolução,
eternas convulsões de corpos
de espíritos.
Numa roda viva,
roda da vida,
ora embaixo, ora em cima,
Ora alegre, ou com dor infinda.

Dança aqui, dança acolá.
Nesse mundo, no espaço, no mar.
O movimento faz crescer,
Faz continuar.

Jane Santos

Todo dia o mesmo café


Todos os dias é o mesmo café.
Um sorriso sonolento, um pão, um adeus.
Pega a estrada pra qualquer canto que não sei...
Volta mais tarde pra tomar do meu sabor,
Senta à mesa, com pressa, conversa cortando as palavras...
Outra vez o jardim e meus olhos vêem indo longe.

Todos os dias é o mesmo jornal,
A mesma notícia, a mesma morte, a mesma dor.
Todos dias... esperando-o voltar,
Cheia de amor, de esperança pra ficar.
Mas tudo passa, tudo é sempre igual.

Cama arrumada, colorida de flores vermelhas
Espera calma o toque calmo de um corpo. Todos os dias.
O mesmo toque,
Solitário e dormente.

Lá fora a cidade festeja
E aqui... escuro puro do meu ser.

Amanhã,
O mesmo café, o mesmo sorrido de adeus.
Carro pra cá, carro pra lá,
E pode vir
Que ainda estou no mesmo lugar.

Olhando o jardim que ainda não morreu.

Jane Santos

Meu amigo fantasma


É meia noite,
madrugada.
Amargo na boca,
Meu amigo fantasma.
Fique aqui,
Faça-me sala,
Embale meu sono,
Meu amigo fantasma.

Jane Santos

Sangue em solução

Corre na veia um sangue.

Meus tataravós correm em mim.

Pai e mãe.

Marcam em meu corpo

Traços passados.

Mil e novecentos, oitocentos,

Índio, negro. Portugal.

Unhas, olhos, boca, face. Língua.

Corre na veia um sangue.

E que farei daqui em diante?

Misturarei este sangue,

Farei nova solução do seu vermelho.

Aqui e ali, cidades e vilarejos.

Cada sangue colherei para formar

Mais um.

Pois eu sou, eu serei, eu serei, eu serei.

Eu mãe. Eu tataravó.

Marcarei meus traços, os teus traços

Em corpos diversos, branco, preto...

Transparente.

Pois quem sabe acabe aqui,

Tu e eu. Quarto, parede.

Quem sabe nosso sangue seja solução,

Mas quem sabe também não.

Que os livros de história

Ou conto de fada

Possam nos traduzir.


Jane Santos

Sons e palavras quentes


Flores e canções para ti,

Um violão à janela,

Na madrugada quieta

Desenhando-me poeta para ti.

Canto-te tua beleza inebriante,

E aos goles de aguardente,

Deliro um prazer subjetivo,

À tua imagem, em suspiros,

Feito boêmio renascido

Com sons e palavras quentes

Nos dias de frio da modernidade.

Mas flores ofereço à tua linda

E inspiradora singularidade.

Feito fada de roupa esvoaçante,

À janela,

De mãos inquietas,

À espera antiga dos ramos

Simples do caminho.

Mas com todo meu carinho,

Beijar-te-ei os dedos finos e trêmulos,

E ousarei um olhar mais intenso,

E ousarei um beijo à face lisa.

E ofereço ainda cartas,

Feito boêmio renascido

Com sons e palavras quentes

Nos dias de frio da modernidade.


Jane Santos

As vértebras do meu amor


O meu amor sustenta-se

Com teu olhar,

Que vasculha cada canto

Do meu olhar.

Vasculha os reflexos,

O branco e o preto

Do meu olhar.

E o amor que crio

Sustenta-se com as insinuâncias,

Com os convites sem verbos,

Sem concordância,

Com os nossos risos sem fim.

Sustenta-se na tua mão em mim,

Em minhas mãos.

Todas elas se procurando,

Numa carícia ali e aqui,

Rondando pra lá e pra cá,

Nos meus cabelos,

Dedos trêmulos,

Nos meus dedos,

Dedos frios

De medo.

E o nosso amor se alimenta

Desse diário, desse contínuo,

Numa vida igual, e com sentido,

O sentido dos teus beijos, do teu cheiro,

Do teu nome.

O sentido de te amar intensamente.


Jane Santos

Fim de tudo


Não há mais tempo para

Contar histórias,

Tu bem sabes que o fim já chegou.

O fim da linha, do crochê, o fim do amor.

Que mais deveremos de tentar,

De criar, de omitir?

Que mentiras farão sentido agora?

Bem sabes tu que chegou o fim.

O fim do começo, o fim do meio,

O fim de mim.

Bem sabes tu que a música não toca,

Que a roda não roda,

Que a água não ferve.

Que pedras haveremos de jogar?

Que pragas haveremos de rogar?

Para quem?

Tu sabes muito bem

Que o som não ecoa,

Que o vento não sopra

Que o mar não se enfurece.

Ah! E como isso me entristece.

A terra vazia. As gentes vazias.

A história sem letras.

E como isso me é deserto.

E como isso me entristece!


Jane Santos

Retalhos


Retalhos da minha alma

Demonstram minha angústia.

Despedaçados na sala,

Na cozinha da casa,

Na área de serviço.

Sobre os móveis imóveis,

As colchas retalhadas,

O chão e o brilho.

Retalhos da minha alma

Destroem minha libido

Limitada ao ouvido,

Limitada à porta de saída.

Retalhos coloridos

Escurecem despercebidos a cor

Das minhas maçãs.

Os cabelos escorridos,

Negros indecisos

Se esvaem no colchão.

Retalhos das minhas lágrimas

Vão molhando minhas malhas

De camisola curtíssima.

Pouco a pouco, tristíssima.

Superlativamente perdida

Na imobilidade escurecida

Da solidão.

Na sala, no fogão.


Jane Santos

Reencarnação


As mãos frias do homem,
Flores amarelas enfeitam seu peito.
Brancos perfeitos cobrem seu corpo.
O! Como é duro ser homem.
Voou, foi longe para o além,
Doeu a partida,
Consolou-se com a filha,
Chorou lágrimas vãs,
Pois qualquer que tenha sido a vida,
Qualquer que tenha sido a poesia
e o livro de antologia
Foi bom e duro ser homem,
Mas foi bom e duro ser vivo eternamente.
Volto qualquer dia desses, meus amigos
de peito e de copo,
escreverei cartas românticas a novas amadas,
E a garota doce de meus dias de céu
Vigiará meus passos novamente.

Jane Santos

Loucos


Oh! E colocaram-me entre os loucos.
Loucos varridos, lavados e lustrados.
Loucos de pedra, de madeira e de barro.
Colocaram-me entre os loucos.
E passo na rua
E comigo os trago.
Suas vozes, seus gritos e também os esparros.
Na rua distraía, comigo os trago.

Oh! E penso e existo,
Sem mais nem menos reflito
Que também sou isso: um desvairado.
Contando a história de entes queridos
ou de Getúlio Vargas.
Riscando papel com um dito mal-dito.
Ilustrando batalhas.

E colocaram-me entre eles,
Os loucos varridos, os loucos espanados.
Só peço, meu bem,
Não me amarrem,
Nem camisa de força,
nem calça apertada.
Dê-me voz, sou louco,
Sou algo.

Jane Santos