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sexta-feira, 15 de julho de 2011

À escrita, meu amor de todo dia.

Meu costume de escrever
Vem  de longe,
Tempos remotos,
Bem distantes,
Homens passados e passantes,
Vem do meu pai, minha mãe,
Vem dos avós de minha amante.
Esse costume de inventar rimas,
Poesias solitárias a punho,
Vem dos sumérios e seu cunho,,
Que à escrita deram impulso,
Pulso de sobrevivência.
E apesar de parecer efêmera,
Poesia virou a palavra,
A palavra virou coisa,
Tatearam-na tempos a fio,
Materializaram verbos e provérbios,
Verdades e mentiras,
Homenagearam Clio.
Materializaram a vontade,
Casaram e descasaram,
Deixaram restos mortais
Em inventários.
Registraram novas almas,
Anotaram entradas e saídas,
Despesas e despedidas,
Amor e guerra,
A pau e pedra.
Libertaram e crucificaram,
Por vezes me mataram
Em nome de Deus.
Mas apesar de tudo,
Amadeus materializou a melodia,
Tão escorregadia que é,
Prendeu-na à partitura,
E que beleza como se comporta,
Desnuda nas linhas,
Em notas de rodapé,
A palavra e a música
Qual em curvas de mulher.
É o presente de Thoth ou de Apolo,
Que desce do tempo
E cobre meus olhos,
Rápidos e famintos
Ao ler os livros
Dos Apóstolos,
Ou a carta de Caminha.
Tanto fez, tanto faz,
Mas viva a escrita.
Viva a poesia.

Jane Santos

sábado, 9 de julho de 2011

Teoria e Prática

Coragem, criatura...
Une tuas ferramentas e vai,
Une tuas preces e corre,
Segue em busca do teu intento.
Não se impressione demais com os outros,
Os outros não sabem nada de ti,
Acham que sabem e escrevem, e falam,
Fazem homenagens ou te esculacham,
Mas não sabem, e isso os atormenta.
De pé, criatura,
Deixa de coisa,
A coisa mesmo que merece tua insônia
É o amor,
É o amor inteiro e sem fronteiras,
São os amores das línguas estrangeiras,
É o amor e suas traduções, significações, reticências.
Deixa dessa lamúria insuportável,
Queixas desnecessárias,
Sendo que o mundo está um caos,
Vai lá e dá teu viva,
E viva a vida, viva a taça,
Viva o livro, viva a graça,
Viva o amigo, viva a praça
Que recebe as devassas ou as matronas,
E os palhaços pra fazer rir.
Não titubeies com as críticas,
Que seja a carne fraca,
Mas que seja a mente firme.
Levanta-te, homem de nenhuma fé,
E vai pro mundo viver,
Vai para o mundo viver,
Que é a tua mão que ele agarra,
Homem,
Homem de raças,
Filho da terra que empobrece,
Pega tuas preces
E vai fazer.

Jane Santos

A chorosa do amor


É na calada da noite que calo meus reclames,
E tem um calo no meu pé, calo infame,
Que perturba a forma mais doce de fazer amor,
Este amor que negas, tão dono de si,
Meio piegas,
Brincando de fugir,
Pega não pega, seja o que seja, chega o desistir.
É na passagem faceira do tempo que olho o tempo
E vixe, Maria! Vai chover.
Vai chover minhas lágrimas porque você nunca vem,
Vai chover canivete se tem outra mulher. E tem.
E andei tanto pra comprar um livro,
Dar-te de presente, segunda mão,
Que importa?
Estive em tua porta
Que não me foi aberta.
Do armário catei uns mimos,
Umas frases envelhecidas,
Uns olhares amarelados,
E fui toda abestalhada
Treinando as falas,
Materializando o momento,
E que tormento! Que desastre sem fim!
Tive que jogar tudo na primeira lixeira,
Na volta, a revolta das mãos vazias,
Nem um beijo, nem uma lembrança,
Com cara de criança,
Chorei.
E é nesse pensar inquieto aqui nesta cadeira de plástico
Que tento rasgar nossos retratos...
Retratos falsos de sentimentos falsos,
Sorrisos amargos,
Vidas mentirosas num flesh que se apagou,
Pra sempre se apagou.
De olho inchado, cara de besta,
Vou sair nessa sexta e buscar outro amor.

Jane Santos

quarta-feira, 6 de julho de 2011

Deus Sol



Sou filha do deus Sol,
E do deus sol eu me alimento,
Plantas que crio,
Animais que planto,
Filhos que mimo, pessoas e desencantos.
Todos linhagem do deus da luz
Que nasce todo dia na minha janela envidraçada.
Há um imenso quê de prazer em compartilhar dessa fertilidade,
Mulheres disputando homens, homens disputando cargos,
Flores querendo os raios,
E eu rindo de tudo isso.
Pelo cheiro se conhece a intenção,
E o sol, imenso, terrivelmente lindo,
Consegue pôr começo, meio e fim nos nossos riscos,
De dia é melhor... é menos perigo,
À noite que cai, é melhor não ir por certas ruas...
Pode ser que lá haja bandidos, monstros, medusas,
E que terrível seria virar uma pedra, o sol esquentar
E você irremediavelmente não poder fugir pra debaixo de uma árvore fria.
A luz que vem de cima, vem pelos lados e nos firma
Nesse mundo que tem o tempo matematicamente dividido,
Seguindo a vontade do sol.
É ele que nos aviva.
Acorda, João, vai pro trabalho,
Acorda, Maria, olha as crianças,
Acorda, menino, vai pra escola,
Acordo pessoal, vai viver o tempo.
Dorme pessoal, vai descansar o tempo vivido,
Porque agora eu sou do oriente, e eles me reclamam no íntimo.

Sou filha do deus Sol que me dá o bronze e tudo mais de que necessito.

Jane Santos

sábado, 2 de julho de 2011

Entre um muro e outro




Corações inteiros andam pelas esquinas da cidade grande,
Tão grande que meus passos se perpetuam
Ruas avante,
E o olhar se embaralha com tanta propaganda.
O brilho opaco do céu poderia ser o astro do dia,
Faz chuva, faz sol
E o que importa, se ninguém nota?
Eu vou então recortando o imenso das calçadas,
Avenidas alargadas,
Cidades modernas que não vi surgi,
Mas vejo-as crescendo tão rápido, tão rápido, tão rápido
E me perdi!
Os carros correram muito e tentei olhar as pessoas neles.
Se o poeta fosse vivo, além de dentro de mim,
Diria então que as pessoas hoje são pedras no caminho.
Há uma pessoa no meio do caminho,
Sai da frente que vou passar.
Olha o meio... eita! Que esbarro.
E foi pensando nesses pormenores tão menores
Diante das importâncias do mundo,
Que costurei idéias para lhe contar.
Cá entre nós, tá dando saudade do meu mundo pequeno lá do interior.
Eu sei, não precisa dizer,
O interior tá se alargando e se aglutinando com os limites das grandes cidades.
Lá tem tudo que aqui tem....
Mas lá eu conheço as pessoas.
Muito bem, eu sei e não precisa falar...
Ninguém  conhece as pessoas,
Mas lá ainda posso andar a pé.
E a preguiça deixa?
As distâncias cresceram na nossa mente.
Bom, então... gosto de lá não por ser interior, mas por ser meu mundo quase pacato,
Uma cidadezinha arruinada no fracasso político,
Desesperada por dinheiro,
Cheia de intrigas... mas tão bonita.
Lá não sinto tanto os gases no ar.
E aqui, nesse vai e vem de desconhecidos,
De lugares muito muito longe,
Eu sufoco e correr não é a solução,
Pois os carros me atropelam, não esperam,
E eu morro sem voltar.
Há um morto...
Há um morto no meio do caminho.

Jane Santos