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quarta-feira, 17 de novembro de 2010

Dia Puxado


Dê-me o ar de sua graça
Neste dia tão puxado que foi o meu.
Um trabalho apertado, um cinto apertado e o aperto das contas.
Venha que lhe faço uma macarronada,
Mesmo às pressas e sem queijo.
Venha que lhe guardo um beijo para o fim da noite.
Venha tirar meus pensamentos pesados,
Minhas energias pra baixo,
E cortar minhas correntes neste dia tão duro.
Pois o mundo olhou pra mim,
Julgou meus óculos, meu sapato, minha caneta,
E eu mandei todo mundo se ferrar,
Com a minha voz baixa do íntimo.
E por medo ou sei lá o quê acatei os insultos,
E tirei os óculos, o sapato e escrevi a lapis.
Por causa disso eu imploro sua presença,
Tão morna, tão crua e tão bela.
Pra me exorcisar e tirar essas mandingas,
Esses olhares de mentira e balela.
Venha, arranque meu próprio corpo de mim mesmo,
Ponha-me para dormir ao som do seu suspiro,
Não me deixe nesse fim de noite,
Coma comigo o macarrão escorrido.
Venha, faça música comigo e diga
Em voz alta que meus óculos, meu sapato e minha caneta
São charmosos apesar de tudo.

Jane

sexta-feira, 5 de novembro de 2010

A sentença


Mantenho-me aqui intacta,

Com o pensamento envenado de você.
Se é ódio certamente não sei,
Se é amor também.
É aquela coisa sem termos que se cria no coração,
Uma sentença cabal de que não mais vivo sem mim mesma,
Você.
E imaginei muitos verbos e situações para os conjugar,
Mas me dei conta de que essa prisão
Não me deixa pensar,
Pois o pensamento agora é dirigido por esse amor sem regras.
Esse amor de casamento, que enche o saco e volta com toda a fúria,
Esse amor de criança, que se vive ludicamente e não se conhece.
E a tal da conjugação que eu iria fazer ficou retida
Nesse cérebro caraminholado,
Envenedado e sem antídoto.
E se eu pudesse, podes crer,
Arrancaria pelas víceras essa coisa que me faz viver e morrer,
Esse tal de amor.
Esse tal substantivo abstrato
E tão concreto em meu ser.

Jane Santos

terça-feira, 2 de novembro de 2010

Certas coisas



Há tanto tempo não poetiso certas coisas,
Como a fúria de certas situações.
Vivo-as intensamente,
Mas esqueço ou tenho medo de as cantar.
Ficam ali, abandonadas na minha existência,
Ficam ali, renegadas ao poema.

Coisas como essas me deixam vermelha.
Coisas como essas precisam de preparo.
E quando mais jovem elas vinham sem aviso,
Me arrebatavam à poesia louca.
E sem freios eu corria o papel, sentindo o fogo da descoberta.

Quando descobri enfim tudo aquilo,
Aquelas coisas esfriaram nos meus dedos,
Ficaram retidas à mente perplexa
Nas noites curtas.

Coisas como essas agora são difíceis,
E eu as camuflo com palavras tão boas
Que até a vergonha entra na história.
Mas para não deixar de poetisar vez por outra,
Inventei de contar essas coisas...

Jane Santos

segunda-feira, 1 de novembro de 2010

Amor sem conceito

Se me perguntas o que sei do amor,
Digo que nem sei...
Do amor não se sabe nada, meu bem.
Do amor se vive e se saboreia.
É a fruta doce de uma árvore invernosa.
Do amor se tira o sumo,
Meio bruto até.
E falo do amor de homem e mulher...

E que direi mais ainda,
É que o amor dá vida,
Ele se duvida de vez quando,
Quando as flores ficam ressequidas.
E basta apenas uma lágrima e um beijo
E todas elas se revivem.

Mas o amor não tem dicionário,
Nem mesmo ele está lá.
Não tem definição.
Ouse dizer que tem e terá que me explicar.
Você não tem coragem...

Vivo pensando num conceito de amor
Para publicar inteiro num poema,
Mas que nada,
Mas que história...
O amor só faz hora com a minha cara,
Se demora no peito frouxo
E nem diz o que ele é.
Perda de tempo essa minha,
Essa minha de querer ser o expert linguístico do amor.

Chico Buarque canta bem o amor,
Carlos Drummond verbaliza bem o amor,
Mas eu...
Quem sou eu para desafiá-los.

Sei apenas falar-te que eu amo,
Amo tanto e tantas coisas.
E daí já saí do amor de homem e mulher.

Amo tanto, é tanto amor.
Acho que vou colocar uma banca na feira
Distribuindo amor.

E talvez falando com as pessoas eu possa descobrir o que é isso,
Esse bicho sem dó que nos prende,
Nos entrega sem carta de apresentação.

Pronto, o amor pode ser isso,
Tudo de um pouco e pouco de tudo.
Aquilo que a gente junta de tempo em tempo,
De pessoa em pessoa,
De música em música,
De vida em vida, quem sabe.

Enfim, eu não sei o que é o amor.

Jane Santos