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domingo, 5 de dezembro de 2010

Temo o dia do infortúnio


Temo não poder mais lhe escrever versos nus,

Temo haver de me cobrir toda de panos crus.
Temo não beijar mais os dedos ásperos de suas mãos,
Temo também não ter chão para cair
Quando cair a tempestade.
Vou cultivar flores para elas me entreterem,
Vou pixar meus muros sem palavras de desespero,
Mas realmente temo o dia
Em que não mais te verei aqui.

E então, meu bem,
Vou sair mundo afora gritando absurdos,
Vou dizer que meu mundo foi queimado,
Estrangulado a sangue frio.
Pois tiraram-me o que respiro,
O que me renova as energias todo dia.

Louca, feito um redemoinho,
Irei arrasar vilarejos inteiros com meus gritos,
Pedindo sem parar a tua volta,
o teu corpo, a tua alma
e o tempero indispensável da minha vida.

Não negarei meus distúrbios, não negarei minha ira,
Mas me recusarei ao tratamento desse amor,
Que é vício, delírio e dor.
Me recuso a te esquecer,
A te apagar do meu livro de receitas,
Me recusa a ser outra pessoa.

Temo o dia desse infortúnio...
Prefiro a poesia calma da menina amada
nas tardes quentes e ventiladas pelas hélices do arno.

Jane Santos

quarta-feira, 17 de novembro de 2010

Dia Puxado


Dê-me o ar de sua graça
Neste dia tão puxado que foi o meu.
Um trabalho apertado, um cinto apertado e o aperto das contas.
Venha que lhe faço uma macarronada,
Mesmo às pressas e sem queijo.
Venha que lhe guardo um beijo para o fim da noite.
Venha tirar meus pensamentos pesados,
Minhas energias pra baixo,
E cortar minhas correntes neste dia tão duro.
Pois o mundo olhou pra mim,
Julgou meus óculos, meu sapato, minha caneta,
E eu mandei todo mundo se ferrar,
Com a minha voz baixa do íntimo.
E por medo ou sei lá o quê acatei os insultos,
E tirei os óculos, o sapato e escrevi a lapis.
Por causa disso eu imploro sua presença,
Tão morna, tão crua e tão bela.
Pra me exorcisar e tirar essas mandingas,
Esses olhares de mentira e balela.
Venha, arranque meu próprio corpo de mim mesmo,
Ponha-me para dormir ao som do seu suspiro,
Não me deixe nesse fim de noite,
Coma comigo o macarrão escorrido.
Venha, faça música comigo e diga
Em voz alta que meus óculos, meu sapato e minha caneta
São charmosos apesar de tudo.

Jane

sexta-feira, 5 de novembro de 2010

A sentença


Mantenho-me aqui intacta,

Com o pensamento envenado de você.
Se é ódio certamente não sei,
Se é amor também.
É aquela coisa sem termos que se cria no coração,
Uma sentença cabal de que não mais vivo sem mim mesma,
Você.
E imaginei muitos verbos e situações para os conjugar,
Mas me dei conta de que essa prisão
Não me deixa pensar,
Pois o pensamento agora é dirigido por esse amor sem regras.
Esse amor de casamento, que enche o saco e volta com toda a fúria,
Esse amor de criança, que se vive ludicamente e não se conhece.
E a tal da conjugação que eu iria fazer ficou retida
Nesse cérebro caraminholado,
Envenedado e sem antídoto.
E se eu pudesse, podes crer,
Arrancaria pelas víceras essa coisa que me faz viver e morrer,
Esse tal de amor.
Esse tal substantivo abstrato
E tão concreto em meu ser.

Jane Santos

terça-feira, 2 de novembro de 2010

Certas coisas



Há tanto tempo não poetiso certas coisas,
Como a fúria de certas situações.
Vivo-as intensamente,
Mas esqueço ou tenho medo de as cantar.
Ficam ali, abandonadas na minha existência,
Ficam ali, renegadas ao poema.

Coisas como essas me deixam vermelha.
Coisas como essas precisam de preparo.
E quando mais jovem elas vinham sem aviso,
Me arrebatavam à poesia louca.
E sem freios eu corria o papel, sentindo o fogo da descoberta.

Quando descobri enfim tudo aquilo,
Aquelas coisas esfriaram nos meus dedos,
Ficaram retidas à mente perplexa
Nas noites curtas.

Coisas como essas agora são difíceis,
E eu as camuflo com palavras tão boas
Que até a vergonha entra na história.
Mas para não deixar de poetisar vez por outra,
Inventei de contar essas coisas...

Jane Santos

segunda-feira, 1 de novembro de 2010

Amor sem conceito

Se me perguntas o que sei do amor,
Digo que nem sei...
Do amor não se sabe nada, meu bem.
Do amor se vive e se saboreia.
É a fruta doce de uma árvore invernosa.
Do amor se tira o sumo,
Meio bruto até.
E falo do amor de homem e mulher...

E que direi mais ainda,
É que o amor dá vida,
Ele se duvida de vez quando,
Quando as flores ficam ressequidas.
E basta apenas uma lágrima e um beijo
E todas elas se revivem.

Mas o amor não tem dicionário,
Nem mesmo ele está lá.
Não tem definição.
Ouse dizer que tem e terá que me explicar.
Você não tem coragem...

Vivo pensando num conceito de amor
Para publicar inteiro num poema,
Mas que nada,
Mas que história...
O amor só faz hora com a minha cara,
Se demora no peito frouxo
E nem diz o que ele é.
Perda de tempo essa minha,
Essa minha de querer ser o expert linguístico do amor.

Chico Buarque canta bem o amor,
Carlos Drummond verbaliza bem o amor,
Mas eu...
Quem sou eu para desafiá-los.

Sei apenas falar-te que eu amo,
Amo tanto e tantas coisas.
E daí já saí do amor de homem e mulher.

Amo tanto, é tanto amor.
Acho que vou colocar uma banca na feira
Distribuindo amor.

E talvez falando com as pessoas eu possa descobrir o que é isso,
Esse bicho sem dó que nos prende,
Nos entrega sem carta de apresentação.

Pronto, o amor pode ser isso,
Tudo de um pouco e pouco de tudo.
Aquilo que a gente junta de tempo em tempo,
De pessoa em pessoa,
De música em música,
De vida em vida, quem sabe.

Enfim, eu não sei o que é o amor.

Jane Santos

sexta-feira, 29 de outubro de 2010

Como bem pensares

Todas as coisas do mundo
Não as tenho para dar.
Não tenho estrelas, nem o sol, nem o mar.
Não tenho ouro, nem dinheiro,
Nem tenho nada dessas coisas que morrem,
que sucumbem com a oxidação,
com o tempo e o esquecimento.

Mas se quiseres,
Lá dentro, bem dentro de mim,
Tenho umas coisas que posso oferecer,
Tenho um amor intenso,
Tenho um beijo guardado,
Uma palavra não proclamada.
Tenho um sorriso de bom dia.
Se quiseres, tenho meu dia para ti,
Minha juventude, minha força,
Minha companhia.
Se quiseres, e se servir,
Posso dar-te eu mesma, inteirinha,
Como bem pensares, como bem decidires.

Jane Santos

Para que


Para que eu possa amar,
Para que eu possa andar,
Para que o céu me surpreenda,
Para que você venha,
Para que ele corra,
Para que ela viva,
Para que o cachorro lata,
Para que a festa se faça,
Para que aquele não mate,
Para que ele se retrate,
Para que o retrato traga o sorriso,
Para que o riso seja liso,
Para que o liso não seja o pobre,
Para que o pobre não seja o rico
Cada vez mais rico e desmedido,
Cada vez mais só no seu mundo.
Para que o mundo seja verde,
E a mata seja grande e bonita,
Para que o mar não nos afogue
E que as águas sejam límpidas.
Para que a vida tenha vida,
Para que a fumaça seja incenso,
Para que cada um tenha bom senso,
Para que o censo se positive,
Para que o negativo seja só a morte,
A morte sem desordem,
A morte para a vida,
Para que a natureza sobreviva.

Jane Santos

Doce veneno



A taça,
Delicada sobre a mesa,
Virgem de minha boca,
A taça reluz sob
A luz da vela.
E ela...
Oh! Ela me atrai com seu brilho,
E os meus olhos em desalinho
Aproximam-se e desvelam
A solidão da taça,
Que carinhosa, me abraça,
Que sapiente, me envenena.
Há ali um suco doce,
Que desce frio dos meus lábios,
Cai no chão e se perde.
Se desmembra.
Ah! Quanta imprudência,
Quanto prazer sofrido
Aquele meu.
E ao chão, qual a gota mortífera,
Caio eu, sem desespero.
Sorrindo, inocentemente,
Como criança ao colo da mãe,
Como pedra à beira de um rio.
E meu riso é frio,
Qual a taça que caiu,
Quebrou e o morreu o brilho.

Jane Santos

Minha casa no morro dos ventos uivantes



Vai ser assim,
Quer saber?
Campos floridos terão vida eterna no meu morro,
Campos verdes terão plenitude envaidecida.
Vou cultivar águas límpidas para o seu banho
E preparar sopa quente para o jantar.
Teremos cachorros todos soltos ao redor,
Correndo e latindo sem incomodar.
Lá a horta será pura, sem mortíferos,
Sem perigo e cheia de esperança.
Nossa casa, pequenina, estará aberta,
Recebendo os ventos fofos das estações,
Seja chuva, seja sol, seja outra qualquer,
Teremos vista belíssima
Aclarando as emoções.
Nossos beijos serão puros cada vez mais,
Os abraços mais apertados e seguros,
Nós dois, olhando o imenso do nosso morro,
Claro, verde e sem muros.
Teremos cavalos, sangue puro ou misturado,
E sairemos cavalgando pelos campos,
Os pássaros serão nossos amigos,
E a vida terá toda a razão.

Lá, na nossa casa no morro,
Os ventos uivarão pelas noites sombrias.
Mas nossas almas estarão mais que iluminadas
Pelas luzes naturais dos nossos olhos.
E quando for madrugada
As cigarras cantarão...
Nossos corpos dormirão...
Esperando o novo dia.

Jane Santos

quarta-feira, 27 de outubro de 2010

A ti... que sabes


Sem querer abri a porta
da minha vida,
E convidei-te a entrar.
Servi café fresquinho com
rosquinhas amanteigadas.
Fiz-te sala arejada e doce
E falei-te de mim.
Sem querer trouxe-te para sempre,
A comer do meu prato,
A dormir no meu abraço,
A contar segredos declarados.
E chorei uns sonhos perdidos,
E desenhei outros mais coloridos,
Todos sob o jugo teu.

Sem querer,
Fiz dezenas de poesias,
Você como tema e inspiração.
E pensei longamente em tua face
E arrependi-me de amar-te e quer-te tanto assim.
Sem querer, não mais que isso,
Permiti que me desses outros nomes,
carinhosos, íntimos e sinceros.
E deixei que me dedicasses sonos,
e me dedicasses silêncios de olhares.
E me dedicasses tempo para foto,
para poses nuas,
para amor desesperado.
E permiti que te agregasses a mim,
e trancasses a porta
aberta no passado.
E permiti que ficasses,
e que me amasses,
e que me respirasses,
e que me vivesses.

Jane Santos

Nota


Por favor,
Dê-me uma folha limpa
e uma tinta.

Por favor,
Conceda-me a oportunidade de eu me ser.
Quero cortar estas linhas
Com traços definidos indefinidos de mim,
À mão rápida e pensante do meu coração,
À emoção inconstante, delirante do meu corpo.

Ó, dê-me um instante de alegria,
Dê-me uma vida fora daqui.
Conceda-me, sem demora,
Instrumentos para a poesia.
Para que eu vá a outro mundo,
Para que eu deixe este corpo
e sonhe e vibre e chore de alegria.

Quero levar-te comigo,
Lá para lugares desconhecidos,
virgens de olhos e pés.
Vamos, cante comigo a canção,
Chore comigo as dores mortas.
E escreva comigo uma nota
para os nossos filhos e netos
e amigos e inimigos
e distantes e próximos
e encarnados e desencarnados
e mundo.

Jane Santos

sexta-feira, 22 de outubro de 2010

Cachaça


Gente fina, como vai?
Vou indo à toa,
Cortando os fios da calçada.
E vim vagarando por aí,
Vim contar uma piada,
Dia desse era frio
E a sopa ficou estragada.
Agora me dê uma cadeira,
Veja quanto estou cansada.
Meu verso, eu sei ser insosso,
Sem cor, sem vício, sem nada,
Mas te garanto,
Ele é puro,
Puramente encharcado de cachaça.
Aquela menina do armário,
Forte, intacta e cheirosa,
Que ganhei de presente faz tempo
Das mãos de um amigo de outrora.
Foi com ela, meu senhor,
Que esquentei as carnes no dia frio,
E gargalhei por várias horas,
Escrevendo poemas-delírios.
E vim vagarando por aí
Pra contar-te esse caso meu,
Meu, da cachaça e do verso que se perdeu.

Jane Santos

sábado, 2 de outubro de 2010

Orgânico


O olhar paralisa frente à TV,
É meia noite e o cinema rola,
É meia noite e a barriga cobra.
Pés descalços voam vagarosos no corredor,
À beira do precipício da gula,
Geladeira, geladinha, gelatina.
Que tal um gole, uma mordida?
Afinal, o estômago é vazio.
O cérebro não muito resiste,
E boca pra que te quero minha.

Forrada a barriga exigente,
É meia noite e o sono pesa,
É meia noite e amanhã tem que tem.
Pernas, pra que te quero minhas.
Devagar, num vôo calmo e curto,
O corpo cheio de detritos
Deita à cama.
Oh! Que bom cumprir o dever,
E ver TV,
Comer e dormir feito um porco.

Jane Santos

quarta-feira, 15 de setembro de 2010

Um dia de desencanto




Bem, o nome deste blog é "Tudo e poesias". Já escrevi um tanto de poesias, mas nada ainda do tudo. O que me deu nesse momento pra me levar a fazer isso? Não sei... talvez a solidão confortante desta noite, em que estão meu gato e minha cachorra quietinhos nos seus lugares. Uma poesia não saiu... e aí eu vi que ainda tinha tudo pra escrever. Por exemplo, como foi meu dia de trabaalho hoje, em que meus queridos alunos inventaram de me irritar. Perdi a paciência. "Mas que feio, Jane! Uma espírita perdendo a paciência!!" Fazer o quê? Às vezes nós descobrimos que ainda somos fracos. Que faço pra ensinar História pra quem tá doido pra sair correndo da escola, ou tá doido pra ir jogar bola, ou que simplesmente não tá querendo nada com nada? Não sei, definitivamente. Dizer para os meus queridos alunos que é importante prestar atenção e participar não surte efeito. Então os bagunceiros ficam de um lado e eu termino minha aula para os interessados. "Que feio, Jane! Excluindo os alunos?" Não, de forma alguma. Apenas cansei minha garganta, encontrei corpos desinteressados no fundo da sala e olhares brilhantes na frente. Falei para os olhares brilhantes. E todos os professores também!

quinta-feira, 19 de agosto de 2010

Anjo greco-romano

Sobre a pedra lavada
à beira do mar,
Lá estava ele,
Com um olhar lânguido,
Sorvendo o movimento calmo
das águas.

Uma pele morena
Qual nunca se viu,
Numa posição greco-romana,
E a exemplo da pedra,
Ficava ali por horas a fio,
Sem se dar conta da imensidão,
Só sentindo o brilho fosco
Da areia lá no fundo.

Bem que quis acordá-lo,
E fazê-lo saber do mundo grande.
Bem que quis falar-lhe
Dos desejos imensos do homem,
Mas fiquei a olhar-lhe
Qual admirador de Da Vinci,
Sentindo sua alma distante
E guardando a pintura exótica
Para sempre neste que vos fala.

Dali ele se foi,
E nem notou minha presença.

Jane Santos

Amor pela História

O tempo está no seu lugar,
Com seu curso normal de sempre.
O passado sem volta,
O presente apressado,
O futuro um enigma.
Mas as coisas do homem
Feitas no tempo,
Nem sempre, meu caro,
Seguem o curso normal.
E você, que se apaixonou pela História,
descobriu que ela é elástica.
Vai e vem, não menos enigmática.
E eu, que amo a História,
Descobri mais que conteúdo,
Mais que sala de aula.
Disseram-me e comprovei
Que ela é prática,
Escrita e fala,
Pensamento e olhar.

Mas inventaram de obrigá-la
Aos seres diversos do mundo,
Impondo os conteúdos,
Itens e subitens.
De certo nunca perdeu seu encanto,
Mas os alunos que encontro,
Dizem quase todos:
"É muito texto, é muito fato, eu tô com sono".

Jane Santos

sexta-feira, 30 de julho de 2010

Vida Amélia


Esse feijão de todo dia,
Que me cansa da comida,
E me cansa dessa vida Amélia demais pra mim....
Sei lá!
Queria um caminho verde,
Uma água clara a banhar-me o corpo,
Esse corpo curvado, que empresto à cama todo dia.
Queria flores todas a enfeitarem os cabelos curtos.
Queria o mundo inteiro pra admirar,
Ver gente boa, ver gente de todo lugar.
Mas esse cozido de todo dia,
Que me cansa da comida,
E me cansa dessa vida Amélia demais pra mim....

Jane Santos

terça-feira, 15 de junho de 2010

Quem sabe um dia...


Quem sabe um dia o anjo fino do meu sonho
pouse sobre o meu telhado.
Quem sabe um dia ele venha e me leve à Índia,
ver as pessoas coloridas,
ver os banhos no Ganges,
pra me jogar também.

Quero passear o mundo
e guardar as cores no olhar,
ou numa poesia incerta,
uma poesia que se iguale ao caminho de todos.

Quem sabe o anjo fino venha sem preconceitos,
e me dê passagem, e me dê margem, e me dê Rio.
Quem sabe ele puxe em minha mão e me leve voando
junto aos pássaros
aos aviões,
aos super-heróis,
E me leve à Roma,
E me dê carona para outros lugares.
Quem sabe Buenos Aires, quem sabe a China e o Japão.
Correndo com asas gigantes e anti-quedas
Olhando pro chão, pro mar,
pra Meca.

Quem sabe um dia esse anjo fino se canse de sua vigília,
e venha aventurar sua vida com a minha.

Jane Santos