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sexta-feira, 29 de outubro de 2010

Como bem pensares

Todas as coisas do mundo
Não as tenho para dar.
Não tenho estrelas, nem o sol, nem o mar.
Não tenho ouro, nem dinheiro,
Nem tenho nada dessas coisas que morrem,
que sucumbem com a oxidação,
com o tempo e o esquecimento.

Mas se quiseres,
Lá dentro, bem dentro de mim,
Tenho umas coisas que posso oferecer,
Tenho um amor intenso,
Tenho um beijo guardado,
Uma palavra não proclamada.
Tenho um sorriso de bom dia.
Se quiseres, tenho meu dia para ti,
Minha juventude, minha força,
Minha companhia.
Se quiseres, e se servir,
Posso dar-te eu mesma, inteirinha,
Como bem pensares, como bem decidires.

Jane Santos

Para que


Para que eu possa amar,
Para que eu possa andar,
Para que o céu me surpreenda,
Para que você venha,
Para que ele corra,
Para que ela viva,
Para que o cachorro lata,
Para que a festa se faça,
Para que aquele não mate,
Para que ele se retrate,
Para que o retrato traga o sorriso,
Para que o riso seja liso,
Para que o liso não seja o pobre,
Para que o pobre não seja o rico
Cada vez mais rico e desmedido,
Cada vez mais só no seu mundo.
Para que o mundo seja verde,
E a mata seja grande e bonita,
Para que o mar não nos afogue
E que as águas sejam límpidas.
Para que a vida tenha vida,
Para que a fumaça seja incenso,
Para que cada um tenha bom senso,
Para que o censo se positive,
Para que o negativo seja só a morte,
A morte sem desordem,
A morte para a vida,
Para que a natureza sobreviva.

Jane Santos

Doce veneno



A taça,
Delicada sobre a mesa,
Virgem de minha boca,
A taça reluz sob
A luz da vela.
E ela...
Oh! Ela me atrai com seu brilho,
E os meus olhos em desalinho
Aproximam-se e desvelam
A solidão da taça,
Que carinhosa, me abraça,
Que sapiente, me envenena.
Há ali um suco doce,
Que desce frio dos meus lábios,
Cai no chão e se perde.
Se desmembra.
Ah! Quanta imprudência,
Quanto prazer sofrido
Aquele meu.
E ao chão, qual a gota mortífera,
Caio eu, sem desespero.
Sorrindo, inocentemente,
Como criança ao colo da mãe,
Como pedra à beira de um rio.
E meu riso é frio,
Qual a taça que caiu,
Quebrou e o morreu o brilho.

Jane Santos

Minha casa no morro dos ventos uivantes



Vai ser assim,
Quer saber?
Campos floridos terão vida eterna no meu morro,
Campos verdes terão plenitude envaidecida.
Vou cultivar águas límpidas para o seu banho
E preparar sopa quente para o jantar.
Teremos cachorros todos soltos ao redor,
Correndo e latindo sem incomodar.
Lá a horta será pura, sem mortíferos,
Sem perigo e cheia de esperança.
Nossa casa, pequenina, estará aberta,
Recebendo os ventos fofos das estações,
Seja chuva, seja sol, seja outra qualquer,
Teremos vista belíssima
Aclarando as emoções.
Nossos beijos serão puros cada vez mais,
Os abraços mais apertados e seguros,
Nós dois, olhando o imenso do nosso morro,
Claro, verde e sem muros.
Teremos cavalos, sangue puro ou misturado,
E sairemos cavalgando pelos campos,
Os pássaros serão nossos amigos,
E a vida terá toda a razão.

Lá, na nossa casa no morro,
Os ventos uivarão pelas noites sombrias.
Mas nossas almas estarão mais que iluminadas
Pelas luzes naturais dos nossos olhos.
E quando for madrugada
As cigarras cantarão...
Nossos corpos dormirão...
Esperando o novo dia.

Jane Santos

quarta-feira, 27 de outubro de 2010

A ti... que sabes


Sem querer abri a porta
da minha vida,
E convidei-te a entrar.
Servi café fresquinho com
rosquinhas amanteigadas.
Fiz-te sala arejada e doce
E falei-te de mim.
Sem querer trouxe-te para sempre,
A comer do meu prato,
A dormir no meu abraço,
A contar segredos declarados.
E chorei uns sonhos perdidos,
E desenhei outros mais coloridos,
Todos sob o jugo teu.

Sem querer,
Fiz dezenas de poesias,
Você como tema e inspiração.
E pensei longamente em tua face
E arrependi-me de amar-te e quer-te tanto assim.
Sem querer, não mais que isso,
Permiti que me desses outros nomes,
carinhosos, íntimos e sinceros.
E deixei que me dedicasses sonos,
e me dedicasses silêncios de olhares.
E me dedicasses tempo para foto,
para poses nuas,
para amor desesperado.
E permiti que te agregasses a mim,
e trancasses a porta
aberta no passado.
E permiti que ficasses,
e que me amasses,
e que me respirasses,
e que me vivesses.

Jane Santos

Nota


Por favor,
Dê-me uma folha limpa
e uma tinta.

Por favor,
Conceda-me a oportunidade de eu me ser.
Quero cortar estas linhas
Com traços definidos indefinidos de mim,
À mão rápida e pensante do meu coração,
À emoção inconstante, delirante do meu corpo.

Ó, dê-me um instante de alegria,
Dê-me uma vida fora daqui.
Conceda-me, sem demora,
Instrumentos para a poesia.
Para que eu vá a outro mundo,
Para que eu deixe este corpo
e sonhe e vibre e chore de alegria.

Quero levar-te comigo,
Lá para lugares desconhecidos,
virgens de olhos e pés.
Vamos, cante comigo a canção,
Chore comigo as dores mortas.
E escreva comigo uma nota
para os nossos filhos e netos
e amigos e inimigos
e distantes e próximos
e encarnados e desencarnados
e mundo.

Jane Santos

sexta-feira, 22 de outubro de 2010

Cachaça


Gente fina, como vai?
Vou indo à toa,
Cortando os fios da calçada.
E vim vagarando por aí,
Vim contar uma piada,
Dia desse era frio
E a sopa ficou estragada.
Agora me dê uma cadeira,
Veja quanto estou cansada.
Meu verso, eu sei ser insosso,
Sem cor, sem vício, sem nada,
Mas te garanto,
Ele é puro,
Puramente encharcado de cachaça.
Aquela menina do armário,
Forte, intacta e cheirosa,
Que ganhei de presente faz tempo
Das mãos de um amigo de outrora.
Foi com ela, meu senhor,
Que esquentei as carnes no dia frio,
E gargalhei por várias horas,
Escrevendo poemas-delírios.
E vim vagarando por aí
Pra contar-te esse caso meu,
Meu, da cachaça e do verso que se perdeu.

Jane Santos

sábado, 2 de outubro de 2010

Orgânico


O olhar paralisa frente à TV,
É meia noite e o cinema rola,
É meia noite e a barriga cobra.
Pés descalços voam vagarosos no corredor,
À beira do precipício da gula,
Geladeira, geladinha, gelatina.
Que tal um gole, uma mordida?
Afinal, o estômago é vazio.
O cérebro não muito resiste,
E boca pra que te quero minha.

Forrada a barriga exigente,
É meia noite e o sono pesa,
É meia noite e amanhã tem que tem.
Pernas, pra que te quero minhas.
Devagar, num vôo calmo e curto,
O corpo cheio de detritos
Deita à cama.
Oh! Que bom cumprir o dever,
E ver TV,
Comer e dormir feito um porco.

Jane Santos